quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

ALMÍSCAR



Hivie dançava no bar perto do posto de gasolina abandonado, dançava uma música bem antiga de Clara Nunes. Clara cantava um samba-canção e Hivie se entregava levemente ao entorpecimento de um balanço lento, calda de açúcar queimado derramando no pudim, com os olhos fechados enfatizava sempre o contratempo, mordiscava os lábios suavemente.
Iam já 03:00, poucas mesas no bar, tenso eu olhava seu balanço por cima dos ombros da minha namorada, não nego que estava excitado, mas percebia alguma movimentação nas outras mesas que me incomodava.
Hivie não trabalhava no bar, é bom explicar, estava dançando por que essa musicalidade lhe era algo natural, sua sensualidade era inebriante e incontida depois de algumas doses de vinho. Eu recusava as cervejas que vinham das outras mesas como uma tentativa de barrar a invasão de nossa privacidade.
No fundo do bar, uma mulher se levantou. Ela era bem alta e tinha o tronco bem definido, se aproximou de Hivie e eu achei que haveria uma briga, me contrariando, ela sorriu e começou a dançar também. Uma breve comoção e as pessoas voltaram a conversar nas mesas, inclusive na minha, menos eu, estava extasiado, eu olhava para as pernas de Hivie e de sua companheira, seus joelhos se tocavam, as músicas se sucediam e elas ofegavam com os braços soltos no ar, acendi um cigarro e levei outro para Hivie, tomou da minha cerveja como se fosse um grande copo d’água, sem parar. Sua amiga me lançou um olhar feroz e eu sorri sem graça.
Na volta para a mesa o olhar de Joana me fuzilava, nós havíamos ficado uns meses separados por causa de umas brigas bobas e há dois dias tínhamos feito as pazes, ficamos trancados em casa, transando, bebendo e fumando desde a sexta-feira, já era madrugada de domingo para segunda e eu com tesão em sua melhor amiga. Tentei passar como se não fosse nada, mas percebi que isso seria motivo para mais uma DR.
Dizem que a noite é uma criança, mas que criança escrota! Envoltos numa torrente de acontecimentos, nos entorpecemos pelos seus incessantes mantras, seus uivos, seus seres maravilhosos e grotescos entoam canções de devoção e sexo. Em instantes, diversão se transforma numa batalha campal! Somos todos vencedores na noite, levamos para casa/cama os troféus que conquistamos, até a amaldiçoada solidão.
Fui ao banheiro que estava incrivelmente limpo e bem lavado, descobriria em outro momento que a mãe do dono do bar se encarregava pessoalmente de lava-lo a cada hora.
Ao voltar para mesa e ver que Joana tinha ido embora sozinha me preocupei, afinal a periferia de Salvador poderia ser perigosa a esse horário, mas me disseram que ela havia pegado um taxi e iria para casa de sua irmã. Hivie e sua amiga dançavam bem miudinho e eu suava...
Pedi um alcatrão e no gole decisivo vi o pau da nova amiga de Hivie apontando seu olho por baixo da barra de sua minissaia, olhei novamente pra ter certeza e depois fiquei alguns segundos sem olhar pra nada.
Trouxe Hivie para a mesa sob impropérios de sua nova amiga. Ela me perguntou por Joana, e eu não lhe respondi, contando a situação no mínimo engraçada que eu tinha acabado de presenciar. Ela se sentiu constrangida imaginando se outras pessoas no bar haviam percebido o que tinha acontecido, eu lhe disse que sim e que deveríamos ir embora. Dirigi displicentemente, sorte as ruas vazias, deixei alguns dos outros em suas casas e fui pro apartamento de Hivie, ela me perguntava por Joana e eu ia lhe contando aos poucos a nossa discussão, amanhecia e eu ainda iria trabalhar, ela me pediu pra esperar que tomasse banho e fosse dormir. Eu fiquei meio sem entender, sem saber como proceder, mas fiz um café preto e acendi um cigarro, ela saiu do banho, na cozinha toda nossa conversa aconteceu e eu não fui trabalhar. Da janela observava o movimento na Ribeira, era segunda à tarde e algumas pessoas curtiam a praia.
Imaginei como seria um Tsunami... como esta noite...

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